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6 de junho de 2018

RELATO - OS ANJOS E A MÚSICA




Um interessante incidente ligado a um anjo amigo ocorreu durante um recital de Kreisler [Fritz Kreisler, 1875-1962, compositor austríaco, virtuose do violino - NT], em 20 de novembro de 1922. Durante a última parte do programa, cujo efeito havia sido o de elevar minha consciência até um estado exaltado, tornei-me consciente das vibrações familiares de um anjo amigo.

Exercendo considerável pressão, ele chegou muito perto, dizendo: “Escuta concentradamente, e eu ouvirei através de ti”. Ocorreu uma alteração em minha consciência, em que não perdi nada de minha atenção física, mas na qual eu soube que o visitante estava usando meu corpo.

Como frequentemente é o caso durante o contato íntimo com o reino angélico, o sentido da audição foi muito estimulado, e ouvi a música como jamais antes, com uma agudeza de percepção auditiva que, se tivesse sido ocular, poderia ser chamada de microscópica. Cada nota, seja do piano ou do violino, parecia ser uma vida separada e era visualizada mentalmente como globular ou ovóide, de acordo com sua duração. Dentro de seu centro havia um núcleo que era a 'alma' da nota.

Também fiquei consciente de alguns dos pensamentos e sentimentos do anjo, que me pareciam ser os de que toda a música que existia em seu próprio plano de consciência era percebida por ele em termos de cor, e sendo manifesta externamente em seu próprio plano sob forma de poderosos anjos; ele considera a música como um reino da Natureza, com seus próprios habitantes, que existe lado a lado com o nosso, e que é uma expressão do Verbo criador; pareceu também que quando os instrumentos eram tocados cada nota abria uma válvula ou abertura, permitindo passagem até o plano físico à música correspondente. O efeito desta concepção era muitíssimo curioso de se observar. Cada nota separada em ambos os instrumentos era visualizada mentalmente passando através da válvula, que era fechada quando a nota cessava. O intérprete parecia estar com sua cabeça no reino da música, e veio-me a ideia de que todos os grandes músicos eram mensageiros dos Guardiães do reino da música para uma humanidade em evolução, assim como os grandes Governantes, Instrutores e Curadores do mundo são mensageiros da Grande Fraternidade Branca.

No caso de Pachmann [Vladimir de Pachmann, 1848-1933, célebre pianista russo - NT], pareceu como se um anjo guardião ficasse atrás dele enquanto ele tocava. Enquanto ele caminhava no palco, recebi uma imediata impressão de um grande Ego, limitado e confinado em um corpo envelhecido. Quando ele começava a tocar, contudo, o homem verdadeiro parecia gradualmente se erguer em uma figura maravilhosamente poderosa e dignificada – jovem em aspecto, mas com as suas feições. Durante e depois de cada peça, Pachmann entrava em um estado que se aproximada da infância, na qual sua técnica brilhante parecia absurdamente fácil. Em sua face freqüentemente brilhava um sorriso, suave e infantil, embora a atenção concentrada do Ego jamais vacilasse por um instante que fosse, e vi onde o poder real estava sendo aplicado.

O anjo guardião, que não apresentava nenhuma diferenciação de gênero, tinha cerca de 3,5 metros de altura, e permanecia imóvel atrás do músico, flutuando com seus pés a cerca de 45 cm acima do palco. Em sua mão direita ele sustinha um instrumento parecido com uma trompa;
o fluxo de sua aura era arranjado de modo a produzir um efeito de asas dobradas, cujas pontas se voltavam para frente e para baixo em curva graciosa e descansavam no solo de ambos os lados do músico. A mão esquerda do anjo pendia livre ao seu lado; a postura era majestosa; a face, jovem e bela, e sua figura me lembrou a pintura de Watts “O Vigilante Silencioso”. Esta figura permaneceu no palco durante a interpretação de cada peça de Chopin; se tornava invisível enquanto o músico não tocava. Eles três formavam um trio estupendo: o gênio de natureza simples, doce e comunicativa, com uma técnica impecável e perfeita facilidade de execução, a sua representação Egóica intensamente concentrada, e o anjo guardião, que o protegia de todo mal e provia a atmosfera necessária de isolamento interno no qual o gênio podia ser inspirado. Novamente, como se observa amiúde no caso dos trabalhadores dévicos, havia uma sugestão de uma Consciência ainda mais elevada em contato com a qual o trabalho era feito.

No concerto Kreisler eu realmente tive um vislumbre de um dos poderosos Anjos da música, mas palavras para descrevê-lo ficam muito aquém de qualquer tentativa. Devo apenas dizer que era um Ser de forma humana, de esplendor inconcebível e glória inimaginável, ele brilhava radiante; e além disso, “tocava” de modo maravilhoso, como se sua natureza se expressasse tanto em som como em cor; ele proferia continuamente um tom principal com uma multiplicidade de sobretons. Pode-se talvez ter uma ideia deste anjo se tentarmos imaginar um mundo de glória inefável em que vive um Ser que se manifesta por meio de glória ainda maior; um mundo de Som Divino, no qual há uma partitura de música encarnada, derramando
continuamente sua própria e gloriosa contribuição, a expressão, em seu próprio mundo, de sua existência individual.

Penso que podemos presumir que os Gandharvas trabalhem lado a lado com os membros da hierarquia humana em seu próprio nível, e como eles, existem em ordens graduadas que se dividem nas atividades do Sistema Solar como um todo, bem como em cada planeta. Eles são a Harmonia divina encarnada; esta Harmonia encontra expressão sob forma de música através das ordens graduadas de seres até os rudes ouvidos dos homens.

Na música, portanto, não ouvimos a voz de Deus, e o intérprete, seja indivíduo, orquestra ou coro, não se torna por aquele momento a própria flauta do Criador – uma expressão da Causa Primeira? (Aqui, Geoffrey faz uma pergunta reflexiva ao leitor, e o estimula a entender no parágrafo seguinte).

O artista sincero e impessoal recebe, de acordo com sua capacidade, aquele toque do Deus de sua Arte que pode transformá-lo em um gênio. Se ele prostituir seu poder, o toque mágico despertará apenas seu eu inferior e ele cairá escravo de seus próprios desejos. Gênio verdadeiro significa contato com a Mônada, e são os devas que podem realizar - e de fato o fazem - a conexão temporária, muito antes do que esta poderia ser feita pelo processo normal de evolução. Isto vale para todos os ramos da arte, mas especialmente para a música.


Fonte: Livro O Reino das Fadas - Geoffrey Hodson. Primeira Edição em 1927 The Theosophical Publishing House
(Londres). 

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