Letchworth (Inglaterra)
3 de janeiro de 1925
Durante os últimos seis meses estive consciente de que um
membro da família dos gnomos, que havia conseguido obter uma medida de
autoconsciência maior do que alguns de seus irmãos, tem desenvolvido um
crescente interesse em nós. No verão ele geralmente aparecia assim que saíamos
da casa e entrávamos no jardim, correndo do pomar através do gramado, e
atraindo minha atenção com lampejos etéricos. Demos pouca atenção a ele na
época, mas desde que chegou o inverno ele passou a entrar na casa. Durante
nossos serões em torno do fogo, ele é frequentemente visto brincando pela sala,
passando para dentro e para fora das janelas, e mostrando tanto interesse em
nós como o faria, digamos, uma ave doméstica ou um esquilo.
Ele tem exatamente cinquenta (50) centímetros de altura. Fui
capaz de medi-lo porque sua cabeça atinge a ponta de certo ornamento nas pernas
do piano. Sua pele é muito escura, e seu corpo de uma textura esponjosa, antes
como o solo que foi congelado e degelou. No jardim ele costumava correr sem
nenhuma roupa, embora ocasionalmente colorisse seu corpo com um verde escuro.
Esta noite, contudo, noto que ele fez uma nítida tentativa de elaborar um
traje, mas, curiosamente, o efeito não é produzido pelo acréscimo de vestes
materializadas, mas por uma mudança na própria superfície de seu corpo, exceto
no caso de sua imitação de um colarinho branco. Isto, obviamente, é um
acréscimo; mais ainda, é algo a que ele parece dar considerável importância,
pois quando ele se dissipa, como continuamente ocorre, ele o refaz assim que
percebe sua ausência; de fato, ele não permite que se desvaneça por completo, e
por ora sua contínua rematerialização ocupa uma boa parte de seu tempo.
As
linhas e margens de seu casaco e colete, este último completo, com botões,
aparecem na textura do que corresponde à sua pele, e ele consegue uma boa
medida de permanência nos contornos. Com as calças ele ainda não teve muito
sucesso, e até onde posso observar ele não fez qualquer ensaio de algum tipo de
calçado. Seu pescoço e braços são finos, e longos demais para o nosso senso de
proporção, e sua cabeça e membros são tão frouxos e esponjosos que neste
aspecto ele me lembra uma boneca de trapos; mesmo assim ele consegue em certa
medida enrijecê-los à vontade, como tem estado fazendo ao executar uma espécie
de dança sacolejante, através da qual dá expressão a seus sentimentos de prazer
por nosso retorno de uma ausência de dez dias. Os movimentos de suas danças são
uma oscilação do corpo de um lado para outro, as pernas sendo mantidas juntas e
depois curvando-se para fora, primeiro para a direita e então para a esquerda,
os braços ao mesmo tempo sendo erguidos acima da cabeça. Estes movimentos não
provocam uma mudança de posição na sala, embora resulte num tipo de movimento
vagaroso e circular.
A face é a mais desairosa, sendo quase negra, e a testa é
longa e muito encurvada. Não há sobrancelhas, só pequenas órbitas e dois
pequenos olhos redondos e negros como botões de sapatos, bochechas pequenas, ou
antes afundadas, nariz longo e pontudo, boca larga, por meio da qual, junto com
a expressão de seus olhos, ele é capaz de registrar algo de natureza semelhante
a um sorriso de prazer. O queixo é pequeno e não tem forma fixa, mas varia de
acordo com a expressão de sua face. Os braços terminam na aparência de um punho
fechado; seus pés têm cerca de quinze (15) centímetros de comprimento, e são
pontudos.
Por mais desajeitado e estúpido que esta descrição possa
fazê-lo parecer, existe um pequeno espírito muito brilhante habitando aquele
corpo. Embora não seja capaz de nada que se aproxime de uma verdadeira afeição,
ele encontra prazer suficiente em nossa sociedade para fazê-lo esquecer de seus
lugares habituais em favor do ambiente incomum do interior de uma casa. Ele é
capaz de reconhecer minha esposa e a mim mesmo como distintos um do outro e de
outras pessoas, e em nossa companhia ele acha um nítido prazer.
Ele não é tão sensível às vibrações de nossas auras
astro-mentais como o são outras ordens de espíritos da natureza, e pode chegar
bem perto de nossos corpos físicos, sentindo apenas prazer naquelas vibrações a
que é capaz de responder. Depois de algum tempo ele sente um estímulo definido,
e algo que corresponde no mundo dos sólidos a um ardor quente percorre seu
pequeno corpo. Quando isto chega a certo ponto ele parcialmente se
desmaterializa, e flutua para o jardim como se, naquele estado mais sutil,
gravitasse para seu próprio mundo. Assim que o efeito passa, o que acontece em
poucos minutos, ele volta e caminha pela sala completamente alheio.
Olhando dentro de sua mente – por uma extensão das
faculdades que me possibilitam ver sua forma – não encontro nenhuma lembrança
desta experiência, nada, de fato, além de uma vaga sensação de que é agradável
estar aqui. Há um reconhecimento instintivo de que o conteúdo da sala lhe é
familiar, mas sem nenhuma lembrança definida de qualquer contato prévio com
ela. Ele não vê nenhum objeto como nós o fazemos. Quando no chão ele vê as
pernas da mobília e das pessoas; ele não tem percepção de nenhuma parte
superior ligada a elas. Não sou capaz de ver como ele nos reconhece, embora ele
certamente mostre uma preferência por nós, e no verão ele frequentemente
aparecia assim que púnhamos os pés fora de casa. Enquanto eu dito isto ele está
bem atrás de mim, e em sua mente não há nenhum conhecimento de eu ter qualquer
existência acima de meus quadris; de fato, sua concepção de mim agora parece-me
ser como a de um par de calças vivo. Esta concepção o satisfaz plenamente. Se,
contudo, ele me vê à distância, enxerga um pouco mais para cima, digamos até os
ombros, e acima deles uma espécie de névoa brilhante. Ele tanto vê quanto sente
a aura de saúde, e aprecia ficar dentro dela e receber o banho etérico.
20 de março de 1925
Depois de um intervalo de três meses ocorreu uma
oportunidade de estudo adicional do gnomo. Ele tinha sido frequentemente visto
na casa e no jardim, mas, à parte uma saudação e uma olhada em sua direção,
nenhuma atenção especial lhe era dada. Investigando suas circunstâncias mais
detidamente, descobri que ele tem sido objeto de uma experiência especial por
parte do deva que parece ocupar a posição de guardião da vida elemental no
jardim e no grande pomar em torno, onde muitos milhares de jovens árvores
frutíferas estão crescendo. Evidentemente este deva está muito compenetrado no
trabalho de estimular a evolução daqueles sob sua responsabilidade, e sua
atitude é muito semelhante à de um treinador de animais ou de um jardineiro,
que poderia selecionar este ou aquele animal ou planta para um tratamento
especial. Ele observara que o gnomo havia se tornado amigável conosco, e
decidiu tirar partido do fato.
Um resultado disto parece ser um considerável aumento na
tendência imitativa natural do gnomo. Agora ele usa um colarinho branco que
parece ter-se tornado permanente, e um casaco escuro, e seus membros inferiores
estão perdendo sua magreza e estão começando a se assemelhar as pernas de
calças. Também percebo que estas mudanças não são produzidas na maneira usual
das fadas, como uma vestimenta acrescentada, mas são modificações reais do
corpo etérico do gnomo.
Mais notável que todas é a mudança em seu rosto, que está se
tornando nitidamente mais claro na cor e redondo no formato. De início eu
pensei que um espírito da natureza inteiramente novo havia entrado na sala, mas
de fato é o mesmo amiguinho, pois a natureza e forma do gnomo são facilmente
detectadas “sob a pele”. Sua inteligência está nitidamente mais viva, e sua
autoconfiança aumentou muito, pois ele subiu em meu joelho, embora não sem
algum receio, a julgar pela expressão de sua face. Eu vejo agora que ele não
faz isso por vontade própria, mas sob uma forte sugestão, quase hipnótica, do
deva que está observando.
Eu estava pouco consciente fisicamente no momento em que ele
subiu ao meu joelho, pois eu estava tentando contatar a mente do deva; senti
então um tremor, uma frieza peculiar e um peso levíssimo em meu joelho, que
atraíram minha atenção – e eis que lá estava o homenzinho. Ele não pode ver o
deva, pois não possui visão astral, mas reconhece uma influência familiar, e obedece
instintivamente às sugestões que a acompanham.
É evidente que em seu estado normal os gnomos são
influenciados quase inteiramente pela consciência grupal, e que todas as suas
atividades, na verdade todas as suas vidas, são expressões de impulsos instintivos
que afetam toda a tribo. Só quando sua atenção é muito atraída para algum
objeto externo, e a consciência é atraída para a forma etérica, é que existe
uma semelhança de autoconsciência, e mesmo então é muito passageira. Para eles
o progresso evolucionário é marcado por um gradual aumento no poder de
consciência externa, na duração do tempo em que podem mantê-la, e por um
aumento no grau de sua autoconsciência.
Auxiliado pelo deva, vejo que por fim chega um tempo em que
o sentido de autoconsciência se torna relativamente permanente e o gnomo de
todo esquece sua tribo e por conta própria empreende algum trabalho ou se
compraz em diversões. Isto descreve, e explica, o fato mencionado em meu
primeiro livro sobre as fadas, de que os gnomos eram encontrados solitários,
bem como em grupos.
Ele diz que é possível a individualização do estágio de
gnomo diretamente para as fileiras dos silfos, embora isto não seja usual,
geralmente entrando em um reino elemental intermediário durante algum tempo. É
difícil conceber o gnomo escuro e terrestre se tornando uma fada, mas o deva
diz que não é incomum, e que, quando chega o tempo da mudança, o gnomo passa a
ter mais e mais interesse em plantas, flores e árvores, gradualmente perdendo
seu caráter terrestre e sua afinidade com este elemento, e assumindo as
características das fadas.
Lembro com interesse como eu costumava ficar confundido de
ver gnomos ligados a árvores e portando asas, mas parece – e o deva o confirma
– que estes eram estágios de transição.
Ele explica que depois de passar por
esta metamorfose, o gnomo se encontra em uma das famílias de fadas maiores,
como as ligadas a árvores ou os tipos maiores de plantas floríferas; raramente,
se isto chega a ocorrer alguma vez, ele inicia este novo ciclo de evolução aérea
como uma das fadas menores como as que foram fotografadas – pois ele é
nitidamente superior a elas na escala evolucionária.
No caso particular que estamos estudando, a ideia parece ser
a de trazer o gnomo para um contato com a humanidade tão próximo e constante
quanto possível; o deva acrescenta “numa atmosfera onde atuam influências
ocultas”. Em outras palavras, ele está fazendo uso do fato de sermos estudantes
de Teosofia e do elo que todo membro da Sociedade Teosófica tem com a
hierarquia oculta que governa o mundo.
Ele diz que as mudanças produzidas
ocorreram em cerca de quatorze (14) meses, e que ele começou a experiência no
início do ano passado. Ele também põe o gnomo em contato frequente com nosso
jardineiro, e vejo que o gnomo o segue por aí e brinca por perto dele enquanto
ele trabalha. Ainda que todo o caso tenha um lado nitidamente humorístico, o
deva o toma muito seriamente.
O deva em si é um indivíduo muito reservado e, embora
amigável, tende a me considerar como uma parte útil em sua experiência, e mais
como um acessório para ela do que como uma pessoa; de seu ponto de vista, toda
a vida das fadas do jardim e pomar é afetada em grau considerável pelas
vibrações teosóficas provenientes da casa; parece que nossas meditações e
práticas de cura enviam influências para o jardim, que ajudam a evolução dos
reinos elementais. Isto é o motivo de o deva estar interessado em nós e tentar
tirar todo o partido possível de nossa presença aqui. Ele é benévolo, embora
peculiarmente distante, sendo interessado quase exclusivamente em seu trabalho
sobre seu próprio reino da Natureza.
Toda esta propriedade de trinta e três (33) acres está
inclusa em sua esfera de influência, embora não em sua verdadeira aura. Seu
método me recorda aquele empregado pelo deva da floresta de Nateby, descrito em Fairies at Work and at Play (Fadas Trabalhando e Brincando). Ele
trabalha principalmente de uma posição central no ar sobre a propriedade, em
uma altura de onde ele pode convenientemente manter toda a área sob sua
influência. Ele a isolou nos níveis mental, astral e etérico, enclausurando-a
dentro de “paredes” construídas pelo poder mental. Ele emprega dois métodos: um
é derramar uma influência estimulante geral de seu próprio Ser em toda a
propriedade, estabelecendo uma condição para as fadas, similar à que uma estufa
provê para plantas; ele também está em contato com fontes de poder espiritual,
das quais ele é um canal para seus irmãos mais jovens. O outro método é por uma
expansão de sua própria aura, cujas forças ele permite atuarem em várias partes
do jardim e sobre diferentes grupos de espíritos da natureza. Ele é um perito
neste trabalho, usando sua aura com a mesma facilidade com que usamos nossos
membros; ele facilmente cobre um acre de terreno de cada vez, e aumenta seu
brilho e densidade, afetando seja o todo, seja parte dele, à vontade.
Embora ele trabalhe nos níveis da forma, sua consciência se
estende aos mundos sem forma, onde é visto como um Ser de considerável
adiantamento. Ele percorre os três planos até o etérico com grande facilidade,
mantendo ao mesmo tempo sua atividade no nível físico, e seu contato com seus
pares e superiores. Ele usa seus veículos com tal liberdade, e é tão obviamente
mestre em seu trabalho em cada nível, que não parece possível que o livre fluxo
de poder e consciência entre o Eu e a personalidade jamais seja rompido ou
ameaçado; nisto ele difere consideravelmente de seus irmãos humanos que, em seu
reino, estão fazendo esforços correspondentes. O tremendo impedimento de
possuir um corpo físico e de ser parcialmente aprisionado nele se torna muito
óbvio nesta comparação, e o excessivo efeito limitante e aprisionador do corpo
físico denso é percebido quase dolorosamente.
Na consciência dévica não vejo nada que corresponda à dor,
desapontamento, depressão, medo, raiva ou desejo; nem há qualquer sinal de
tensão, ou daquele intenso esforço que é requerido por nós para sobrepujar a
inércia dos planos inferiores; nem ele tem que resistir àqueles apelos da
natureza inferior pelos quais o aspirante espiritual humano é frequentemente
atribuído. O conteúdo de sua mente parece ser, primariamente, um intenso
interesse intelectual em seu trabalho, que se mostra pelo brilhante amarelo
dourado, que é a cor predominante em sua aura, o afeto por aqueles a seu cargo
se mostrando como rosa, o interesse em seu progresso e a extrema adaptabilidade
se mostrando como verde-maçã com lampejos de verde esmeraldino, tudo irradiado
por fortes correntes de um branco vívido e incandescente, que representa o
ardor de sua natureza, estimulado e suscitado pelas forças superiores para as
quais é um canal.
Não é fácil estimar seu tamanho, já que varia muito; quando
primeiro o vi esta tarde ele havia descido até estar parcialmente dentro da
sala, e então ele pareceu ter cerca de dois metros e meio (2,5m), no que se
refere à sua forma verdadeira; mas no ponto a que retornou, tendo liberado as
forças áuricas que havia detido temporariamente, ele parece muito maior –
talvez três metros e meio (3,5m), enquanto que sua aura se expande até quase 40
metros em toda a volta no nível astral, e de 27 a 40 metros no mental; é mais ou menos
ovóide na forma, ainda que sem margens definidas claramente, mas ele pode
estendê-la três ou quatro vezes seu tamanho natural, ou fazer que todas as suas
forças sejam direcionadas para baixo e para fora para atuarem na área a seu
cargo. Ele parece gravitar naturalmente em um ponto cerca de 30 a 40 metros
acima do solo. Sou inclinado a pensar por este exame mais detido que ele
realmente está interessado em nós, não digo ligado, ao seu modo dévico; pois há
um nítido sentimento de seu fraterno reconhecimento de nós, e agora que ele
está menos concentrado em seu experimento com o gnomo (que volta e meia ainda
fica brincando pela sala), sua formosa e nobre face agora se suaviza em um
sorriso; em resposta à minha promessa de ajudá-lo em seu trabalho, de minha
maneira humana limitada, ele estende sua mão abençoando, e enche-nos por um
momento com sua energia vital.
Fonte: Livro O Reino Das Fadas – Geoffrey Hodson - Primeira
Edição em 1927 - The Theosophical
Publishing House - (Londres).
Bênçãos!
Namastê!
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